Inspirado na vida e na obra de Rosalía de Castro, Rosalía é o projeto de um solo manifesto da atriz Cristina Cavalcanti. Revisita os últimos anos da escritora na Casa de La Matanza, em Padrón, até sua morte em 1885. O trabalho será tecido a partir das poesias, canções, manifestos, cartas e fatos da sua vida. Busca suas convergências com os dias de hoje e com a história de vida da atriz, e investiga como a mulher e a artista se interseccionam.
Nascida em 1837 em Santiago de Compostela, Rosalía é considerada a primeira feminista galega e uma das pioneiras na Espanha. Foi a representante maior do Ressurgimento, movimento que elevou o galego a língua culta após anos na sombra.
A ação se passa na Casa de La Matanza, em Padrón, onde a escritora passou os últimos dias de vida, até sua morte em 1885. Em delírio, a personagem revive momentos marcantes da sua vida. A estrutura fragmentada e performativa intensifica o tom feminista, ao dar voz a uma mulher que não apenas denunciou as injustiças sociais, mas também confrontou as tradições machistas de sua época. Ao romper com formas narrativas convencionais, essa abordagem reforça a subversão do discurso dominante, revelando as tensões entre opressão e resistência. Dessa forma, não apenas expõe as violências simbólicas e materiais sofridas pelas mulheres, mas também reivindica novos espaços de expressão. Mais do que relatar uma realidade opressora, torna-se um meio de ruptura e transformação.
Perpassa a história da Galícia, berço do idioma românico galego-português, e traça também um paralelo entre os léxicos galego, língua mãe de Rosalía; espanhol, idioma no qual escreveu parte de sua obra; português brasileiro, língua mãe da atriz e português europeu. Como apaixonada pela palavra e suas variações, a atriz se apropria da investigação do idioma na sua construção dramatúrgica. Por meio do conhecimento destas matrizes tão importantes mas tão pouco exploradas, busca-se o aprofundamento na compreensão de uma essência ainda anterior àquela que conecta Brasil e Portugal. Desvendar essas intersecções é como olhar para si mesma em sua ancestralidade.

Imagem de ensaio/exercício
A poesia de Rosalía de Castro fez ressurgir a identidade literária de seu povo. Foi a maior representante do Ressurgimento, movimento que propunha a literalização e a dignificação da língua galega, até então vista como um dialeto da oralidade e popularesco. Seus poemas não mais cantavam o amor da donzela pelo rapaz, e sim faziam um resgate da identidade galega: a mulher tomava voz não para se lamentar pelo amado que se foi, mas cantar sua terra, suas lutas.
A obra transita entre uma preocupação social com as duras condições dos pescadores e camponeses galegos e outra de caráter metafísico, que a insere na literatura existencial.
Tem sido equiparada à de Gustavo Adolfo Bécquer como uma manifestação tardia do Romantismo espanhol.
Uma poesia que denota ansiedade, uma inquietude angustiada ante estranhos pressentimentos que se percebem como próprios. Assim mesmo, sua dolorosa sensibilidade projetou um conjunto de magníficas visões da paisagem galega em que predomina uma atmosfera cinzenta de tristeza indefinível. Foi essa sensibilidade que transportou uma concepção da natureza como a de uma realidade animada, misteriosa, e cujos signos mais visíveis falam de uma vida dolorosa.

Imagem de ensaio/exercício

A encenação acontece em um ambiente que remete à “Casa de la Matanza”, lugar onde a escritora viveu seus últimos anos, hoje transformado em museu. A narrativa se constrói através da poesia, de documentos como artigos, manifestos, cartas escritos por ela, e canções compostas com letras de seus poemas. Fatos trágicos da vida pessoal da autora vêm à tona em determinadas cenas, como o momento em que ela perde o filho Adriano, de dois anos, num terrível acidente doméstico, fato do qual jamais se recuperou, seguido do aborto e do câncer que levou à sua morte aos 48 anos.

Imagem de ensaio/exercício
Ainda ecoam as muitas dificuldades enfrentadas pelas mulheres no campo artístico, como a invisibilização e a precarização, evidenciando como a desigualdade de gênero persiste até os dias de hoje. É preciso romper barreiras e reivindicar espaços de expressão. Ao revisitar Rosalía e sua obra, reafirma-se a riqueza de um legado que ultrapassa fronteiras e também a potência transformadora da arte e da palavra como instrumentos de mudança e resistência.
