Uma peça que mostra a natureza fugaz da felicidade em contraposição com um ato de distúrbio de caráter e violência gratuita. Um jogo de palavras extremamente perspicaz e irônico sobre o isolamento urbano, escrito por uma das mais importantes dramaturgas da Escócia. EM UM DIA QUALQUER explora o medo do desconhecido, a responsabilidade com nós mesmos e com os outros e, consequentemente, a culpa gerada pelas decisões que tomamos. Mas a peça não se limita apenas a esses aspectos. Fruto de um movimento antimanicomial crescente nos anos 90, um casal com deficiência intelectual que foi transferido de uma instituição para um apartamento comum.
Trata-se de uma ação positiva da sociedade ao propor um olhar mais igualitário para uma parcela desfavorecida da população, que sempre foi tratada com preconceito. Porém, o enredo revela que esse casal é alvo de violência gratuita, alimentada muito provavelmente por sua própria condição de vulnerabilidade. A quem cabe a tutela desse casal? Segundo o IBGE, levantamento de 2015, 0,8% da população brasileira tem algum tipo de deficiência intelectual. Outro estudo mostra que sete em cada dez vítimas de estupro, na cidade de São Paulo, são vulneráveis.
É exatamente a mesma condição e violência sofrida pela personagem Sadie. Uma outra provocação feita pelo texto, reside na condição de conflito da personagem Jackie, frente aos questionamentos vividos pela mulher do século XXI. Trabalho, família e desejo pessoal são revelados, tendo como gatilho uma tentativa de aproximação amorosa entre os personagens, provocando uma ruptura dos bloqueios emocionais de Dave e Jackie. É portanto um texto com diferentes possibilidades de abordagens temáticas e estéticas, e que propõe reflexões que ecoam com as demandas dos dias atuais.
A Peça Um retrata o cotidiano de um casal com deficiência intelectual. Este é o ponto de partida que a dramaturga utiliza para revelar algo muito mais profundo: uma sociedade doente, que se manifesta de forma perversa, violenta e intolerante.
Na Peça Dois, a autora coloca o seu ponto de vista sobre o feminino, potencializando o conflito da personagem Jackie. Ela quer dar vazão aos seus desejos pessoais mas os reprime em nome das obrigações que a sociedade lhe impõe, pelo fato de ser mãe de um filho doente e de ser a sobrinha que cuida dos tios com deficiência intelectual (“Peça Um”). A culpa é imposta à condição feminina.
Todas essas questões são levadas ao público em duas peças distintas, mas que se interligam não só pelo que está escrito no texto, mas também pela encenação.
FICHA TÉCNICA
texto de Linda McLean
direção Carlos Baldim
tradução Cristina Cavalcanti
elenco Cristina Cavalcanti
Fábio Mráz
Ricardo Ripa
Carlos Baldim
cenografia Cesar Rezende (Basquiat)
figurinos Cristina Cavalcanti
iluminação Júnior Docini
trilha sonora L.P. Daniel
preparação corporal Aline Aboksky
projeto gráfico Jiboia Estúdio
assistente de direção Henrique Pina
assistente de produção Marcela Horta
produção Selene Marinho
produção e realização Visceral Companhia
Fotos de Rodrigo Menck