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[DES]MONTAGEM

A partir do confronto entre retratos de mulheres que foram torturadas, assassinadas ou desaparecidas durante a ditadura civil militar brasileira, um manuscrito assinado por uma destas vítimas e as vozes dos militares negando seu envolvimento com os crimes, percebemos a tentativa de apagar e distorcer fatos por parte do estado e das instituições.


A instalação provoca o público a deslocar seu ponto de vista em direção à realidade destas mulheres. Presente, passado e futuro se interseccionam, numa experiência estética e política transformadora, que busca incorporar a dimensão do arquivo e da memória na arte.

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O esquecimento é uma constante ameaça. A história é contada através de informações selecionadas e interpretadas segundo o interesse hegemônico, que elege as vozes que serão ouvidas e as que serão silenciadas. [Des]montar aponta para o sentido de fragmentar o que se costuma ver unido e conectar o que se costuma ver separado. Também remete à ideia que, em ditaduras se utiliza a técnica de guerra que procura destituir o oponente de sua humanidade, ou seja, desorientar, desfigurar, desmembrar, destruir, desmontar.

Um documento sobre a mesa. Material, tocável, resistiu ao tempo. É o único elemento que existe no espaço sem que seja necessária a presença. É um manuscrito de Inês Etienne Romeu (1971), a única sobrevivente da chamada Casa da morte, centro sistemático de torturas do governo militar ditatorial no Brasil, no qual denuncia as violações e ameaças que sofreu. A partir da aproximação do visitante, ouvem-se os áudios de militares negando seu envolvimento com os crimes; e podem-se ver os retratos das vítimas da ditadura brasileira projetadas sobre uma tela de fumaça. Tanto os áudios quanto os retratos são em sequência aleatória. Quando o visitante se afasta a fumaça se esvai. As vozes e as imagens das mulheres desaparecem. Resta apenas o documento.
 

Ao apropriar-se de arquivos institucionais, revelar documentos ocultados propositalmente e recontexualizá-los, procura-se desconstruir seu sentido, despertar diferentes leituras do passado e refletir sobre o momento presente. 

FICHA TÉCNICA

programação Rui D'Orey

iluminação Rodrigo Menck

apoio à pesquisa sobre ditadura Maria Júlia Andrade

VÍDEO DA OBRA
GALERIA

Fotos de Rodrigo Menck.

VÍDEO DE APRESENTAÇÃO
INVESTIGAÇÃO

Sou mulher, artista, mãe. Filha de perseguidos políticos pela ditadura civil militar brasileira, que perdurou de 1964 a 1985. Sou filha do silêncio. Meus pais não podiam assinar os próprios nomes. Foram obrigados a viver na clandestinidade. Eu era criança, mas estas marcas me acompanham até os dias de hoje. Em casa havia um quarto onde era proibida a entrada. Quando meu pai faleceu, 50 anos depois do golpe, pela primeira vez tive contato com aquele vasto material de arquivo.

 

Ele era fotógrafo e havia milhares de negativos e cópias fotográficas. Neste momento surgiu o interesse pelo uso de documentos em meus processos artísticos. Durante a pesquisa foi se intensificando o meu desejo de falar das mulheres que foram perseguidas por sua ação política e que foram apagadas e silenciadas pelo Estado. Lançar o olhar para estes eventos me pareceu urgente num momento em que muitos pediam a volta da ditadura em meu país. 

 

A intenção é de apropriar-se de arquivos institucionais, revelar documentos ocultados propositalmente e recontextualizá-los, para desconstruir seu sentido, despertar diferentes leituras do passado e refletir sobre o momento presente. Pretende compreender como problematizar a história oficial e contestar as narrativas hegemônicas ao trabalhar materiais de arquivo. A [des]montagem é entendida como recurso para promover diferentes associações e desvios. A média-arte digital é meio ideal para essas provocações, já que tem como essência as múltiplas combinações, a interatividade e a imersão.

 

Compreender como esses deslocamentos e associações se manifestam através de diferentes médias e como se dá a reação e interação do público frente a estes estímulos contribui para aliar a tecnologia no fomento à construção de um pensamento crítico e na conscientização de que podemos ser agentes engajados e envolvidos na nossa própria história.

A imagem não é um simples corte praticado no mundo dos aspectos visíveis. É uma impressão, um rastro, um traço visual do tempo que quis tocar, mas também de outros tempos suplementares – fatalmente anacrônicos, heterogêneos entre eles – que, como arte da memória, não pode aglutinar. (Didi-Huberman, 2012, p. 207)

 

A pesquisa leva em consideração o artigo 5 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que garante que: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.”

Atende ao 16º Objetivo da Agenda 2030 da ONU:

Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas a todos os níveis. (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável | As Nações Unidas no Brasil, s.d.)

REFERÊNCIAS

Didi-Huberman, G. (2012). Quando as imagens tocam o real. PÓS: Revista do Programa de Pós-graduação em Artes da EBA/UFMG, 206–219

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável | As Nações Unidas no Brasil. (s.d.). https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
 

Romeu, I. E. (1971). Se eu morrer.

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